Fragmento Semanal #4
Somente retalhos, o fim de semana foi mais corrido que a semana, devia ter escrito durante a semana.
I
Lendo umas das incontáveis entrevistas que costumo acessar durante a semana, repiso a frase “moro numa biblioteca de tanto livro que tenho espalhado pela casa, isso aqui deixou de ser casa faz tempo, é biblioteca”. Levanto os olhos da tela e espio: sobre minha cama está Brasil: uma biografia, na borda da escrivaninha tem O único avião no céu e sobre ela se equilibra a Antologia poética de Cecília Meireles. Anistia, última leitura finalizada, ainda não voltou para a estante e está sobre os três caixotes empilhados que chegaram aqui em casa para virar estante improvisada/ecológica depois que as estantes ficaram sem espaço. O correio passou dois dias atrás e A pediatra ainda não foi alocada em um lugar na estante por isso está na mesinha no canto da sala juntamente com um Bebida Amarga que veio para ser enviado de presente para um amigo mas ainda não foi e por isso está ali, colaborando com a decoração do ambiente, mutando também minha casa em biblioteca.
II
Cinema, outra paixão desde a infância, perdeu muito espaço na vida adulta: é preciso trabalhar, estudar, pagar as contas, dormir, comprar livros e empilhar na estante com a promessa de ler em breve, trabalhar mais um pouco, fazer compras, passar raiva no trânsito, no trabalho e na faculdade, manter a biblioteca limpa, quer dizer, a casa, atualizar a saúde dos pais, trabalhar de novo e estudar mais, ler um dos livros comprados, ir para a academia, levar carro na oficina, comer, trabalhar, tentar socializar e muitas vezes falhar, voltar para casa e preferir a leitura do que a tumultuada noite de sexta no centro, fazer a barba, limpar o quintal, dormir de novo, passear com o cachorro, trabalhar mais, visitar os pais de novo, ler as news, ficar preso no trânsito todo dia, receber Whatzapp sobre assuntos do trabalho fora do horário de trabalho, fazer caridade, tentar manter uma fé pois pode existir um céu e um inferno depois, trabalhar de novo e visitar a psicóloga ou o trabalho te mata antes dos 35. O tempo para o cinema foi escasseando, mas esta semana me obriguei a assistir alguma coisa: achei Furiosa: uma saga Mad Max tão bom para o que se propôs quanto o predecessor e Um lugar silencioso: Dia um mais uma vez me envolveu em seu universo, mesmo este trabalhando mais com ação do que com suspense eu gostei.
III
Sobre as news, algumas das lidas essa semana que gostei: A beleza do inútil da Tati Guedes em Zero Pretensões e Sentimentos Aleatórios, lembrete de que descansar é preciso, mas também um desafio. A volta da onda da Mariana Lopes Vieira em Conchas, “Agosto dura. De um jeito que nos faz temer que, no trigésimo primeiro dia, reinicie. Desta vez, coube Olimpíadas, tragédias, o sufoco do verão na parte norte do mundo, o inverno esquisito na parte sul. Agosto traz a fumaça de todas as queimadas; da floresta ao mangue passando pelo meu cerrado, sabe-se: o agro mata. O tigre mata. O descaso mata.” Em Roma como no amor da Fal em Drops da Fal, para amantes de história como eu, esse texto é uma doçura, para descompreendedores do amor como eu, esse texto é um exemplo. A importância do mistério e da sutileza da Fabiane Guimarães em Tristezas de estimação, mais uma vez grandiosas dicas e reflexões sobre escrita, concordo com tudo que ela disse, mas ainda não assisti Dias Perfeitos, acho que sou um dos que andou morando numa caverna.
IV
Ao leitor deixo a interpretação.
V
Na vida de professor tem dias que você precisa editar slides, montar slides, carregar pilhas de livros, elaborar atividades, digitar e formatar tudo para só então mandar para impressão, comprar coisas que na escola pública às vezes (muitas) está em falta, xerocar páginas e páginas, reservar laboratórios e outros espaços para uma atividade prática, mas também tem outras vezes que o material pode ser mais simples, uma única frase por exemplo. Discussão de texto é uma das minhas atividades preferidas, ver os alunos colocar suas opiniões na roda depois de uma leitura é enriquecedor, para mim e para os demais alunos, mesmo aqueles que não dizem nada, estão ouvindo e isso já é muito bom. Essa semana a discussão foi sobre uma frase: “A vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir.” de Arthur Schopenhauer. A inteligente da sala matou logo de cara, “na vida quando queremos muito uma coisa lutamos por ela, mas quando conseguimos ficamos entediados com essa coisa, o bom era a luta, a busca.” A outra inteligente da sala discordou, “mas o tédio pode ser um incentivo, você entediado vai querer sair desse tédio e vai então buscar fazer alguma coisa, vai começar a lutar por outro desejo, vai buscar de novo.” Assim começou a discussão e passamos uma aula inteira debatendo assuntos que se originaram dessa reflexão de Schopenhauer.
a vida sempre atropela a gente, toma tempo do lazer e espalha livros pela casa…