Na mesa com Pedro Süssekind
Ressuscitando a primeira coluna desta News, dedicada a comentar livros lidos, temos o romance Anistia de Pedro Süssekind.
Todo ser humano normal tem ao menos uma obsessão, pobre de mim que não sou normal e tenho várias, ainda bem que a maioria delas posso considerar que são (se é que isso existe) “obsessões benéficas”. Discorrer sobre esse tema de modo geral seria interessante, penso agora, não pensei antes de começar a escrever então por isso esse texto não o fará, talvez um próximo, a ideia ficará anotada aqui, num dos infindáveis rascunhos do Subs.
O texto de hoje cita uma única obsessão: a das narrativas históricas. Em literatura nada me desperta mais o interesse para leitura de um livro do que uma trama ambientada no passado. De cavaleiros medievais ao jogo político da primeira Guerra Mundial, das Cruzadas até as Guerras Napoleônicas, da devastação de Pompeia até a Queda de Constantinopla, das navegações portuguesas até os acordos e conspirações da Guerra Fria, das Bandeiras até os golpes que depõem presidentes e motivam resistências. Se os personagens estão envolvidos diretamente com esses eventos, melhor ainda. Na história do Brasil, um período específico tem lugar de destaque, os desenlaces das republicas que antecedem a Constituição de 1988.
O livro desta vez foi Anistia, do carioca Pedro Süssekind, que veio parar em minhas mãos por conta do projeto “lendo sobre os Anos de Chumbo”, cujo o objetivo é entender, documentar e interpretar as diferentes visões, opiniões e posicionamentos sobre esta parte de nossa história. Motivado por essa obsessão pessoal já passaram por minhas mãos obras como Os carbonários de Alfredo Sirkis, O amor de Pedro por João de Tabajara Ruas, O que é isso, companheiro? de Fernando Gabeira, É tarde para saber de Josué Guimarães, As meninas de Lygia Fagundes Telles, Reflexos do baile de Antonio Callado, Bebida amarga de José Almeida Junior, Azul corvo de Adriana Lisboa, Setenta de Henrique Schneider e alguns outros mais, fora os que estão esperando na estante sua vez de serem lidos.
A escolha não segue uma ordem específica. Se o autor viveu o período, de fora ou de dentro dos eventos, já tem um lugar na lista de possíveis leituras. Se o autor demonstra ter um bom conhecimento sobre o tema também vai parar nela. Assim, temos na lista de leituras tanto quem escreveu durante os eventos históricos como também quem escreveu depois deles, recolhendo dados históricos para compor a ficção.
Anistia se encontra nesta mescla de real e ficção, personagens ficcionais vivendo eventos reais. Na trama, Emílio vive com uma “obsessão(?)” inflamada recentemente pelo anúncio da votação da lei da anistia, que permitirá a volta de exilados e perdão de presos políticos. Tal notícia, aliada ao comentário de alguém do passado de seu pai que ele encontra numa festa na casa de sua mãe, fazem o jovem iniciar uma busca por notícias do paradeiro do pai que saiu de casa numa noite, quando Emílio ainda era criança, e nunca mais voltou.
No decorrer desta busca, claramente comparada com a busca de Telêmaco pelo pai Ulisses na Odisseia, Emílio encontrará com pessoas do passado do pai, encontrará respostas para algumas perguntas e se descobrirá cheio de novos questionamentos, tanto sobre o pai quanto sobre os caminhos da ditadura no país. Como bom romance histórico estão ali o envolvimento dos personagens com passagens reais do período, como o assalto ao cofre de Adhemar de Barros, as manifestações ocorridas em 1979 durantes os burburinhos sobre a votação da lei da anistia, a existência do Comando de Caça aos Comunistas e outros lances menores.
Como leitor que nunca pisou no Rio de Janeiro, fiquei me perguntando se todas aquelas descrições iniciais sobre ruas e paisagens eram mesmo necessárias, mas depois decidi que isso é mais questão de gosto pessoal e me deixei levar pela leitura. O excesso de personagens foi outro ponto que cheguei a questionar no meio do caminho, a impressão que dava era de que eles não se encaixavam direito, apesar de estarem ligados ao mesmo núcleo, mas fui organizando as coisas e logo me acostumei com essa visão, afinal, a história da busca de Emílio não acontece sozinha no mundo. Também no início, a história de um tiro que um amigo do protagonista leva parece correr de forma paralela com a busca que seria empenhada ao longo da trama, mas lá pelas tantas as coisas começam a se encaixar e comecei a ver com bons olhos também aquela face da narrativa.
O romance é curto, 175 páginas, e nos 30% finais você começa a pensar que ele poderia ser maior, dado o interesse despertado pela reta final da história, mas conforme as tramas vão se alinhado e você vai organizando mentalmente as peças da narrativa, as coisas vão ganhando um sentido mais amplo e a cena final emociona no melhor estilo mostre, não conte.
O uso dos cortes cinematográficos é algo que sempre me agrada num bom romance quando bem feito, aqui existem vários deles e ainda bem que a maioria bem feitos. A linguagem usada pelos personagens demonstra a boa pesquisa para o livro, o autor não ficou só no envolvimento dos personagens com a história, mas também se preocupou com o modo de falar da época. Para entusiastas do romance histórico recomendo fortemente este livro, trabalha bem as temáticas que se propõe, retoma nosso passado e faz refletir sobre a presença do fantasma da ditadura que ainda paira sobre nós, os problemas não resolvidos lá atrás que ainda assombram, generais torturadores que ainda são nomes de ruas e avenidas. Anistia certamente se tornou um membro importante do projeto “lendo sobre os Anos de Chumbo”. E agora encaro a estante, escolhendo o próximo exemplar ambientado no período.
O autor:
Pedro Süssekind, nascido no Rio de Janeiro em 1973, é escritor, tradutor e professor. Concluiu em 2005 o doutorado em Filosofia pela UFRJ, com especialização em Literatura Comparada na Universidade Livre de Berlim. Após a publicação de seu primeiro livro de ficção, LITORAL, participou das coletâneas “Paralelos” e “17 Contos da nova literatura brasileira”, entre outras. Foi bolsista do programa Petrobrás Cultural, edição 2008-2009, e como resultado publicou em 2011 o romance TRIZ (Editora 34). Também é autor de três livros de não-ficção: SHAKESPEARE, O GÊNIO ORIGINAL (2008), TEORIA DO FIM DA ARTE (2017) e HAMLET E A FILOSOFIA (2021).
Fonte: https://vbmlitag.com.br/autores/pedro-sussekind/
gosto de romances históricos também. um dos meus preferidos é “o homem que amava os cachorros”, do leonardo padura, que envolve os bastidores do assassinato de trotsky. livraço!
Pedro foi um dos excelentes professores que tive no Mestrado em Estética e Filosofia da Arte na UFF! Conheço seus livros teóricos, mas ainda não me aventurei nos contos e romances. Esse seu texto me deixou animado para fazer logo isso, talvez começando pelo próprio Anistia.